O que éh a vida sem um sonho?

30/04/2011


E apesar da hostilidade entre ambos se tornar gradativamente mais intensa, como mãos que estão perto e não se dão, eles não podiam se impedir de se procurar.

E isso porque- se na boca dos outros chamá-los de “jovens” lhes era uma injúria - entre ambos “ser jovem” era o mútuo segredo, e a mesma desgraça irremediável.

Eles não podiam deixar de se procurar porque, embora hostis - como o repúdio que seres de sexo diferente têm quando não se desejam -, embora hostis, eles acreditavam na sinceridade que cada um tinha, versus a grande mentira alheia.

O coração ofendido de ambos não perdoava a mentira alheia. Eles eram sinceros.

E, por não serem mesquinhos, passavam por cima do fato de terem muita facilidade para mentir- como se o que realmente importasse fosse apenas a sinceridade da imaginação.

Assim continuaram a se procurar, vagamente orgulhosos de serem diferentes dos outros, tão diferentes a ponto de nem se amarem.

Aqueles outros que nada faziam senão viver. Vagamente conscientes de que havia algo de falso em suas relações. Como se fossem homossexuais de sexo oposto, e impossibilitados de unir, em uma só, a desgraça de cada um.

Eles apenas concordavam no único ponto que os unia: o erro que havia no mundo e a tácita certeza de que se eles não o salvassem seriam traidores.

Quantos a amor, eles não se amavam, era claro. Ela até já lhe falara de uma paixão que tivera recentemente por um professor. Ele chegara a lhe dizer- já que ela era como um homem para ele-, chegara mesmo a lhe dizer, com uma frieza que inesperadamente se quebrara em horrível bater de coração, que um rapaz é obrigado a resolver ”certos problemas”, se quiser ter a cabeça livre para pensar.

Ele tinha dezesseis anos, e ela, dezessete. Que ele, com severidade, resolvia de vez em quando certos problemas, nem seu pai sabia.

O fato é que, tendo uma vez e encontrado na parte secreta deles mesmos, resultara na tentação e na esperança de uma dia chegar ao máximo. Que máximo?

Que é, afinal, que eles queriam? Eles não sabiam, e usavam-se como quem se agarra em rochas menores até poder sozinho galgar a maior, a difícil e a impossível; usavam-se para e exercitarem na iniciação; usavam-se impacientes, ensaiando um com o outro o modo de bater asas para enfim- cada um sozinho e liberto- pudesse dar o grande vôo solitário que também significaria o adeus um do outro.

Era isso? Eles se precisavam temporariamente, irritados pelo outro ser desastrado, um culpando o outro de não ter experiência.

Falhavam em cada encontro, como se numa cama se desiludissem. O que é, afinal, que queriam? Queriam aprender. Aprender o quê? eram uns desastrados.

Oh, eles não poderiam dizer que eram infelizes sem ter vergonha, porque sabiam que havia os que passam fome; eles comiam com fome e vergonha.

Infelizes? Como? se na verdade tocavam, sem nenhum motivo, num tal ponto extremo de felicidade como se o mundo fosse sacudido e dessa árvore imensa caíssem mil frutos. Infelizes? se eram corpos com sangue como uma flor ao sol. Como? se estavam para sempre sobre as próprias pernas fracas, conturbados, livres, milagrosamente de pé, as pernas dela depiladas, as dele indecisas mas a terminarem em sapatos número 44. Como poderiam jamais ser infelizes seres assim?

Eles eram muito infelizes. Procuravam-se cansados, expectantes, forçando uma continuação da compreensão inicial e casual que nunca se repetira- e sem nem ao menos amarem. O ideal os sufocava, o tempo passava inútil, a urgência os chamava- eles não sabiam para o que caminhavam, e o caminho os chamava.

Um pedia muito do outro, mas é que ambos tinham a mesma carência, e jamais procurariam um par mais velho que lhes ensinasse, por que não eram doidos de se entregarem sem mais nem menos ao mundo feito.

(A Legião Estrangeira- Clarice Lispector)

Post feito pelo Girlrock às 20:33


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